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“As mãos calejadas do pai”, crônica de Frei Almir Guimarães


Aquele era um reto, profundamente reto, meio à moda antiga, sem ser de dar muitos beijos e abraços, sem ficar sempre falando de meu amor para cá e meu amor para lá, homem meio seco, descente de colonos alemães acostumados à dureza da vida, mas marido fiel, homem correto, sem muito jeito de falar com os filhos, trabalhador, competente na simplicidade das tarefas que executava.

Tinha sido operário de uma fábrica de tecidos, parecida com aquela de que Noel Rosa fala em seus versos feitos em Vila Isabel. Um pouco antes de servir o quartel trabalhou na abertura de estradas. Sem estudos e sem diploma, teve como instrumentos de trabalho picareta, pá, enxada, martelo, machado e machadinha. De manhã cedo, um caminhão percorria as ruas do bairro e recolhia os que iam trabalhar na abertura da estrada, abrir caminhos para outros, um pouco à maneira de João, o Batista. Levava uma marmita redonda azul e branco esmaltada. Um dia arroz e feijão e um pedaço de carne, no outro dia macarrão e carne moída. Quase sempre uma laranja seleta e duas bananas. Tinha os dedos rachados e a palma da mão quase anestesiada com tantos calos e asperezas. Quando cumprimentava as pessoas, algumas delas evitavam demonstrar um certo susto em contato com a aspereza daquelas mãos. Tinha dedos grossos, meio inchados, quase sempre com sangue pisado sob as unhas, lembranças e vestígios de marteladas. Mãos calejadas pelo trabalho sim, mas um coração cheio de vontade de amar, sem saber manifestar o fogo que ardia no peito.

Os filhos se orgulhavam daquele pai, homem respeitado pelos vizinhos, pelos tios e pelos primos. Era bonito vê-lo na missa de domingo, com a melhor roupa que tinha, sendo cumprimentado por uns e outros. Aos poucos, ele foi envelhecendo, murchando, com um caroço imenso no braço direito, meio triste, fumando um cigarrinho no fundo do quintal esperando a hora de tomar a sopa do meio dia ou o café com leite da tarde. Um dia apagou.

Vestiram-no com um terno azul marinho que usara pouco e que fora comprado por ocasião da formatura de sua filha na escola de enfermagem. Observei ainda uma vez suas imensas mãos ásperas antes que fechassem o caixão. Ah, que belas as mãos calejadas do pai!

Frei Almir Guimarães

Fonte: http://www.franciscanos.org.br

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