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Nossa Senhora dos Anjos da Porciúncula: o perdão de Assis - Mensagem de Paulo VI

Ao Revmo. Padre Constantino Koser, Vigário Geral da Ordem dos Frades Menores, na passagem do 750º ano da “Indulgência da Porciúncula”, concedida pelo Papa Honório III a São Francisco.

Ao dileto filho, saudação e bênção apostólica. A sacrossanta igreja da Porciúncula, que São Francisco “amou acima de qualquer outro lugar no mundo” , tornou-se dia após dia mais célebre no mundo católico, porque ali o seráfico Pai maravilhosamente disse e fez muitas coisas, mas sobretudo porque foi enriquecida com especial indulgência, que por isso é chamada de “Indulgência da Porciúncula”, e que há muitos séculos é lucrada por aqueles que piedosamente visitam aquela igreja.

Nestes dias em que se celebra o 750º ano desta indulgência, segundo a tradição concedida a São Francisco por Honório III e muitas vezes confirmada, no decorrer dos séculos, por nossos Predecessores, é para Nós um prazer dirigir-nos aos fiéis cristãos que, continuando o costume e o uso dos antepassados, dirigem-se à Porciúncula, que refulge por insigne antigüidade, para ali procurarem uma mais perfeita e pronta reconciliação com Deus, onde “quem orar com devoção alcançará o que pedir” .

Para repetirmos as palavras que recentemente escrevemos movidos por solicitude pastoral, “somente podemos achegar-nos ao Reino de Cristo pela ‘metanoia’, isto é, mediante a íntima transformação de todo o homem, pela qual ele começa a pensar, a julgar e a regular sua vida sob o impulso da santidade e caridade de Deus, ultimamente manifestadas no Filho e plenamente comunicadas a nós” .
Ora, é exatamente aos fiéis, que levados pela penitência se esforçam por chegar a esta ‘metanoia’, para que, após o pecado, alcancem a santidade com a qual foram vestidos em Cristo pelo batismo, que a Igreja vai ao encontro também com a distribuição das indulgências, como que para sustentar com o materno abraço de sua ajuda a fragilidade de seus filhos enfermos.

Portanto, a indulgência não é o caminho mais fácil pelo qual possamos evitar a necessária penitência dos pecados; mas é antes um apoio que os todos os fiéis, humildemente conscientes de sua fraqueza, encontram no corpo místico de Cristo, que “colabora para a sua conversão com caridade, exemplo e orações” .

Um ensinamento claríssimo de tal vontade de penitência, unida à consciência da própria enfermidade nos foi deixado pelo próprio São Francisco, aquele que se apresenta a nós tão perfeitamente expresso como “o novo homem que foi criado por Deus em justiça e verdadeira santidade” . Com efeito, ele não só nos dá um exemplo de sua radical conversão a Deus e de uma vida verdadeiramente penitente, mas em sua Regra também manda que se admoestem os homens “a perseverarem todos na verdadeira fé e penitência, porque de outra forma ninguém poderá salvar-se” ; igualmente, na explicação da oração do Senhor, assim implora ao Pai que está nos céus: “perdoai-nos as nossas ofensas: por vossa inefável misericórdia e o inaudito sofrimento de vosso dileto Filho, nosso Senhor Jesus Cristo, e pela poderosa intercessão da beatíssima Virgem Maria, bem como pelos méritos e súplicas de todos os vossos eleitos”.

Com razão, cremos que estas exortações de São Francisco, como também a admirável caridade que o levou a pedir para todos os fiéis a indulgência da Porciúncula tenham nascido do desejo de comunicar aos outros a doçura de espírito que ele mesmo experimentou após pedir a Deus o perdão dos pecados. É o que Frei Tomás de Celano, o principal escritor da vida deste homem seráfico, nos narra com delicadíssimas palavras: “Admirando a misericórdia do Senhor nos muitos benefícios que executava por seu intermédio, e desejando que o Senhor se dignasse mostrar-lhe o progresso que ele e os seus fariam na perfeição, foi para um lugar de oração, como fazia com freqüência. Lá ficou bastante tempo rezando com temor e tremor, diante do Senhor de toda a terra. Relembrando com amargura os anos que aproveitara mal, repetia sem cessar: ‘Deus, tende piedade de mim que sou pecador’. O íntimo de seu coração começou a extravasar sensivelmente uma alegria incontável e uma suavidade sem tamanho. Sentiu-se desfalecer, dissipando-se os temores e as trevas que se tinham juntado em seu coração por medo do pecado, e lhe foi infundida uma certeza da remissão de todos os pecados e uma confiança de que viveria da graça” .

Ora, o primeiro fruto da penitência é a consciência dos nossos pecados: “Se queres que Deus te perdoe, reconhece-te pecador. Sê juiz de teu pecado, não advogado” .

Por isso, fazendo-nos acusadores de nós mesmos diante da Igreja, à qual Jesus Cristo entregou as chaves do reino dos céus , receberemos a remissão da culpa e da pena; todavia, isso não deve retardar o caminho de nosso retorno a Deus. Devemos assumir o jugo de Cristo, sua cruz que encontramos ou que abraçamos voluntariamente pela mortificação; pelas boas obras e sobretudo pelos frutos da caridade fraterna, é preciso que demonstremos a sinceridade de nosso retorno à casa do Pai e nossa mais plena e nova inserção no corpo de Cristo, que é a Igreja.

O fiel penitente que faz essa renovação do espírito, como dissemos acima, não está só, pois “de certo modo é purificado pelas obras de todo o povo e é lavado e limpo interiormente pelas lágrimas de todo aquele que é redimido do pecado pelas orações e lágrimas do povo. Porque Cristo deu à sua Igreja o poder de redimir um fiel por meio de todos, o deu a ela, que mereceu a vinda do Senhor para que todos fossem redimidos por meio de um” .

A indulgência que a Igreja concede aos penitentes é manifestação da admirável comunhão dos Santos, que une misticamente no vínculo da caridade de Cristo a Beatíssima Virgem Maria e o conjunto dos cristãos triunfantes no céu ou que permanecem no purgatório ou que peregrinam na terra. Com efeito, a indulgência que é concedida por ação da Igreja diminui ou abole totalmente a pena que, de algum modo, impede o homem de conseguir uma mais estreita união com Deus; por isso, nesta especial forma da caridade eclesial, o fiel penitente encontra um válido auxílio para despir-se do velho homem e revestir-se do novo, “que vai se renovando para o conhecimento segundo a imagem de quem o criou”.

Em base a estas reflexões, desejamos que o 750º aniversário da concessão desta indulgência seja de tal modo celebrado que a Porciúncula seja realmente o santuário do pleno perdão e da garantida paz com Deus.

Bem sabemos que no decorrer de tantos séculos grande número de peregrinos acorreram à igreja da Porciúncula, através de longas e difíceis viagens, para encontrarem nos braços da Rainha dos Anjos, a quem a capela e a basílica da Porciúncula é dedicada, a serenidade de espírito pelo perdão dos pecados e pela renovação da graça divina. Sabemos também que ainda hoje, mas especialmente na festa da dedicação da mesma capela, dia em que a indulgência da Porciúncula é estendida a todas as igrejas da Ordem Franciscana, muitos peregrinos chegam à Porciúncula, não levados pela curiosidade ou pelo prazer, mas somente para pedir a Deus o perdão dos pecados, para depois sentir-se mais na intimidade do Pai celeste. Realmente, são estes os peregrinos que verdadeiramente nos mostram o significado da grande peregrinação da vida do homem: uma longa e árdua caminhada que nos conduz a Deus.

Realmente, seria de desejar que as peregrinações, individuais ou de grupos, tornadas mais freqüentes pela facilidade dos meios de transporte, não perdessem o caráter de piedade e de penitência, mas conservassem este sentido de um esforço profundamente religioso.

Queira Deus que não seja interrompida a secular tradição da peregrinação à igreja da Porciúncula, devotamente empreendida por nosso imediato Predecessor João XXIII, mas antes cresça o número dos fiéis que, neste santuário vão ao encontro de Cristo, Senhor misericordioso, e de sua Mãe, que é poderosa intercessora junto a Ele.

Esperando que tudo aconteça conforme o nosso desejo, a ti, dileto filho, a toda a família franciscana e a todos que se reunirão no santuário da Porciúncula para celebrar solenemente este aniversário, com prazer concedemos no Senhor a bênção apostólica.

Dada em Roma, junto a São Pedro, no dia 14 do mês de julho, de 1966, quarto ano de nosso Pontificado.

PAPA PAULO VI

S. BOAVENTURA, Legenda Maior, II,8.
TOMÁS DE CELANO, Vida primeira, 106.
Const. Apost. Paenitemini, AAS LVIII (1966), p. 179.
Const. Lumen Gentium, c. 2, n. 11.
Ef 4,24.
RegNB, 23, 22.
Paráfrase da Oração do Senhor, 9.
1 Cel, 26.
S. AGOSTINHO, Sermão 20, 2; PL 38, 130.
Cf. Mt 16,19.
SANTO AMBRÓSIO, De paenitentia, I. 15, 80; PL 16, 469.
Cl 3,10.

Fonte: http://franciscanos.org.br

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